REPEAT PLEASE

REPEAT PLEASE

07/04/2019 11 Por Marcelo Pantoja

Escrito em 06/04/2019.

 

No curso de inglês da minha infância-adolescência era proibido falar português. O professor perguntava algo em inglês, ou tocava um trecho de uma fita de áudio, e o aluno tinha que responder a pergunta ou repetir a frase. E, claro, nunca entendíamos “de primeira”, então era preciso pedir ao professor: Repeat, please!

 

O primeiro Repeat please, e mesmo o segundo, não chegavam a envergonhar. O terceiro já ficava no limite da dignidade, e o quarto era pronunciado olhando pra baixo e falando pra dentro. A quinta tentativa não existia, a esta altura o professor já havia desistido e repassado a questão para alguma aluna irritante que respondia de primeira. Claro, ela já tinha ouvido quatro vezes, sem nenhum stress! Respondia e ainda recebia um congratulations do fucking teacher!

 

Lembrei disto ao ouvir esta música hoje cedo:

 

 

 

 

“Quando te Vi”[1], com o Beto Guedes, foi lançada e fez muito sucesso na década de 80, e eu levei anos para perceber que ela era apenas a versão brasileira de uma música que já tinha sido gravada em outro país. É que, infelizmente, eu demorei muito pra me ligar de verdade na banda mais famosa de todos os tempos, e por isso levei um susto quando pela primeira vez ouvi os Beatles tocando a música do Beto Guedes!

 

 

 

 

“Till There Was You” está no segundo disco dos Beatles, que é de 1963[2]. A música nem é da dupla Lennon e Mc Cartney, foi composta por um cara chamado Meredith Wilson. Assim como a versão brasileira, escrita décadas depois, também não é do Beto Guedes, foi composta por Ronaldo Bastos. Mas, para mim, serão sempre os Beatles tocando Beto Guedes.

 

Versões são sempre um risco, a gente tende a comparar a brasileira com a original e julgar qual a melhor. E se você já era fã da original, provavelmente será muito mais crítico com a versão tupiniquim.

 

Essas comparações são uma grande bobagem. A versão, se feita com arte e talento, e não por mero oportunismo, é na verdade uma homenagem ao autor original.

 

Sem dizer que, em alguns casos, é simplesmente impossível escolher “a melhor”. Ouça esta, com a letra original:

 

 

 

 

The Impossible Dream foi composta por Mitch Leigh, com letra em inglês de Joe Darion, para o musical norte-americano “Man of La Mancha” que estreou na Broadway em 1965. A peça, inspirada no (meu herói) Don Quixote de Miguel de Cervantes, fez um enorme sucesso e foi encenada em várias partes do mundo.

 

Mais sucesso ainda fez a sua principal música. The Impossible Dream, além de ser gravada em inglês por dezenas de artistas (Frank Sinatra e Elvis Presley, só pra começar) ganhou versões em praticamente todas as línguas.

 

A versão brasileira é de Chico Buarque com Ruy Guerra, a versão francesa é do belga Jacques Brel. Mas na voz do Renato Braz[3] e dos seus convidados de honra não dá pra escolher a melhor[4].

 

 

 

 

 

[1] Beto Guedes, “Quando te Vi” (Meredith Wilson, versão Ronaldo Bastos), in O Sal da Terra (coletânea), 2010.

[2] The Beatles, “Till There Was You” (Meredith Wilson), in With The Beatles, 1963.

[3] Outro herói.

[4] Renato Braz, Chico Buarque e Milton Nascimento, “La Quête / Sonho Impossível” (Mitch Leigh, Joe Darion, versão francesa Jacques Brel, versão brasileira Chico Buarque e Ruy Guerra), in Renato Braz Canto Guerreiro – Levantados do Chão, 2018.