O ENTREGADOR DE JORNAIS

O ENTREGADOR DE JORNAIS

28/04/2024 6 Por Marcelo Pantoja

Escrito em 27/04/2024.

 

 

Imagine um garoto de 13 anos que entrega jornais para ajudar no orçamento familiar. Em uma certa madrugada ele recebe o pacote com os exemplares do dia, e quando o abre, fica sabendo que os seus três ídolos morreram.

 

Pois é, no dia 03/02/1959 morreram, no mesmo acidente de avião, Buddy Holly, Ritchie Valens e The Big Bopper, respectivamente com 22, 17 e 28 anos de idade.

 

Buddy Holly, para resumir, era o cara que John Lennon e Paul McCartney imitavam, a ponto de batizar sua banda como The Beatles (beetles =  besouros) porque a banda do Buddy se chamava The Crickets (os grilos).

 

É o cara que Eric Clapton viu na TV tocando guitarra, e ficou tão impressionado que achou que tinha “morrido e ido para o céu”.[1]

 

Elton John, que na época não tinha nenhum problema de visão, passou a usar óculos (que seriam sua marca registrada quando ficou famoso) só para parecer com Buddy Holly.[2]

 

Ele era o ídolo de muitos dos meus ídolos, Bob Dylan, os Rolling Stones, todo mundo queria ser Buddy Holly. O cara tinha estilo, compunha as próprias músicas, e tocava de um jeito até então inédito:[3]

 

 

 

 

Ritchie Valens, com apenas 17 anos, fazia um sucesso absurdo que nenhum artista hispânico tinha conseguido até então, com sua La Bamba:[4]

 

 

 

 

The Big Bopper já era mais veterano na data do acidente (28 anos), começou como apresentador de um programa de rádio graças a seu vozeirão que, mais tarde, colocou a serviço do rock’n’roll com grande sucesso, de um jeito meio falastrão:[5]

 

 

 

 

Este trio improvável (um quatro olhos, um cucaracha e um gordinho) era o suprassumo dos primórdios do rock’n’roll na América. Tiveram a infelicidade de embarcar naquele aviãozinho vagabundo (retratado no filme “La Bamba” de 1987) para morrer, e por isso aquele dia 03/02/1959 ficou conhecido como “o dia que a música morreu”.

 

Quem inventou este epíteto foi o entregador de jornal lá do primeiro parágrafo, que se tornaria um cantor e compositor chamado Don McLean, e em 1971 lançaria esta quilométrica música:[6]

 

 

 

 

A canção, com seu refrão hipnótico, por mais de 50 anos foi a música mais longa (mais de 8 minutos) a atingir o primeiro lugar nas paradas dos Estados Unidos.

 

Ela não fala só do acidente fatídico; tem uma série de versos aparentemente incompreensíveis, como era típico da psicodelia dos anos 70. Tem mil referências e significados que ninguém sabe direito.

 

O compositor nunca quis explicar as obscuras passagens da letra. Já milionário em razão do sucesso de American Pie, quando lhe perguntaram o significado da música (para além do acidente dos três ídolos), ele respondeu: “significa que eu nunca mais precisaria trabalhar se eu não quisesse”.[7]

 

Existem mil interpretações de cada verso, se você tiver curiosidade é só explorar as várias teorias internet afora. Quando a música completou cinquenta anos foi lançado um documentário, mas mesmo ali Don McLean manteve o ar misterioso, pois acredita que o compositor deve lançar suas músicas e seguir em frente, em silêncio.[8]

 

Passadas muitas décadas desde o “dia que a música morreu”, e do lançamento de American Pie, podemos constatar que, felizmente, a música não morreu.

 

Ao contrário, Buddy Holly inspirou vários gênios que nós ouvimos todos os dias; o entregador de jornal compôs um hino histórico; todos nós, em algum momento (em geral etílico), cantamos/dançamos La Bamba; e existe até um site apregoando que Tem Música Pra Tudo.

 

 

 

[9]

 

[1] in Eric Clapton – A Autobiografia (Eric Clapton), Ed. Planeta, 2007, p.28.

[2] in https://www.grunge.com/768217/the-fashionable-way-buddy-holly-inspired-elton-john/

[3] Buddy Holly & The Crickets, “That’ll be The Day” (Buddy Holly, Jerry Allisson, Norman Petty), in The Chirping Crickets, 1957.

[4] Ritchie Valens, “La Bamba” (Traditional), in Ritchie Valens Memorial Album, 1962.

[5] The Big Bopper, “Chantilly Lace” (The Big Bopper) in Chantilly Lace, 1959.

[6] Don McLean, “American Pie” (Don McLean) in American Pie, 1971.

[7] In  https://en.wikipedia.org/wiki/American_Pie_(song)

[8] “… I realized that songwriters should make their statements and move on, maintaining a dignified silence”. O documentário, de 2022, se chama “The Day the Music Died: The Story of Don McLean’s American Pie”, produzido por Spencer Proffer.

[9] “Viva La Musica”, de Michael Praetorius, compositor alemão que viveu de 1571 a 1621.