JOGO DA MEMÓRIA

JOGO DA MEMÓRIA

04/09/2022 3 Por Marcelo Pantoja

Escrito em 04/09/2022.

 

 

Lá por volta de 1983 eu pedi e ganhei de aniversário meu primeiro computador, lembro de ir de ônibus com meu irmão mais velho até o Shopping Morumbi para buscar o dito cujo. Lembro da minha ansiedade e aflição voltando com aquela preciosidade nas mãos, dentro de um ônibus lotado que nunca chegava de volta a Santo André. Afinal, quem é que tinha, naquela época, um computador pessoal?

 

Tudo isso foi antes de se popularizarem os “PCs” que a IBM inventou e espalhou pelo mundo poucos anos depois. O meu computador era um NEZ-8000, pesava uns 200g, achei uma foto na Internet, vejam como ele era bonitinho:

 

 

 

 

Reparem no “módulo de expansão” à direita: com esse acessório a memória do meu computador, que era de 2 kbytes, aumentava para inacreditáveis 16 kbytes, um luxo!

 

Para ter uma ideia, uma musiquinha de 3 minutos guardada no seu celular é um arquivo de mais ou menos 4 MEGAbytes, ou 4.000 kbytes, isto é, 250 vezes a capacidade de memória do meu NEZ-8000. Mas eu me diverti (e aprendi) muito com aqueles míseros 16 kbytes!

 

Nem sei por que lembrei do NEZ-8000, é engraçado como às vezes a gente viaja “para trás” e recorda de coisas que nem sabia que estavam guardadas na nossa cabeça ou sei lá onde. Se você se deixa levar, quando o pensamento volta para o hoje a sensação é exatamente essa, de que chegamos de uma viagem, e agora é preciso retomar as atividades do dia-a-dia.[1]

 

 

 

 

Quanta memória a gente é capaz de guardar? Creio que bem mais que os 16K do meu NEZ-8000…

 

Tem um programa de TV em que, no final, o apresentador pergunta ao entrevistado qual a sua primeira lembrança, a sua mais antiga recordação.

 

No meu caso, eu acho que é a recordação de estar, todo feliz, sentado em cima da geladeira da cozinha! Não me pergunte como fui parar lá, mas é verdade, minha mãe tem uma foto deste fato extraordinário.

 

Pra ser sincero, não tenho certeza se eu lembro mais do fato ou da foto do fato. Mas sempre que eu vejo (ou lembro) daquela fotografia a sensação é de uma imensa felicidade.

 

Se a minha primeira lembrança “real” não for esta da geladeira, tem uma outra de que tenho certeza: é de quando meu irmão mais novo nasceu, e minha mãe chegou em casa com aquele ser minúsculo. Recordo dela sentada numa poltrona, segurando o pequenino, e eu e meu irmão mais velho nos aproximando para entregar as nossas chupetas(!) ao novo membro do clã.

 

Eu tinha três anos e meio, mas lembro perfeitamente disto, foi uma espécie de cerimônia, acredito que meu pai tenha nos ensaiado para quando ele trouxesse minha mãe de volta com aquele pequeno pedaço de picanha que era o novo caçula.

 

E deu super certo, entreguei o objeto e não senti falta nenhuma da chupeta! Quem dera, décadas depois, houvesse um método desses para eu largar o cigarro (o que só consegui depois de 30 anos fazendo essa besteira).

 

Certamente há momentos bem traumáticos na minha infância, como acontece com todo mundo. Mas em geral eu gosto dessas memórias. Lembro com carinho daquele menino da geladeira, que dez/doze anos depois viria a ser o centroavante de times incríveis como o Egito, Beija-Flor, Ajax e outros.

 

Hoje eu teria milhões de conselhos a dar para aquele garoto. Mas a verdade é que ele tem muito mais a me ensinar, do que eu a ele.[2]

 

 

 

 

[1] Trio Amadeus, “Memory” (Andrew Lloyd Webber, Trevor Nunn), saiba mais em https://trioamadeus.com/sobre-nos/

[2] Milton Nascimento, “Bola de Meia, Bola de Gude” (Milton Nascimento, Fernando Brant), in Miltons, 1988.