O CERTO

O CERTO

22/08/2021 6 Por Marcelo Pantoja

Escrito em 21/08/2021.

 

 

Como a maior parte das pessoas de minha geração, eu cresci ouvindo que o ócio é o pai de  todos os vícios. Sendo uma criança bastante virtuosa, acreditava em tudo o que me diziam, e minha consciência tem me mantido trabalhando duro até hoje.

 

Esta frase podia muito bem ser minha, mas pertence ao filósofo e matemático inglês Bertrand Russell, na abertura de seu texto famoso intitulado O Elogio ao Ócio, escrito em 1935.

 

Russell defendia uma jornada de trabalho de quatro horas diárias, pois “Em um mundo em que ninguém seja compelido a trabalhar mais do que quatro horas por dia … haverá felicidade e alegria de viver, ao invés de nervos em frangalhos, fadiga e má digestão. O trabalho exigido será suficiente para tornar o lazer agradável, mas não suficiente para causar exaustão … Homens e mulheres comuns, tendo a oportunidade de uma vida feliz, se tornarão mais gentis, menos persecutórios e menos inclinados a ver os outros com desconfiança…   A boa índole é, de todas as qualidades, a que o mundo mais precisa, e boa índole é o resultado de segurança e bem-estar, não de uma vida de árdua luta.”[1]

 

Se alguém notou, faz quase dois meses que não escrevo nem publico nada neste blog. Necas, nadinha.

 

Por quê?

 

Trabalho, muito trabalho, em excesso, para além da conta nos últimos tempos.

 

Sou tido e havido como um sujeito que trabalha muito, e meus amigos e conhecidos falam isto de mim como um elogio, uma grande qualidade.

 

Já eu, acho ridículo.

 

Para mim, salvo situações excepcionais ou de extrema necessidade, quem trabalha demais é, na melhor das hipóteses, uma pessoa desorganizada. Ou coisa pior: ambiciosa demais, ou infeliz demais na vida familiar e social.

 

E não me venha com essa de “amo o que faço” para justificar o injustificável. Como Russell, acredito que “o trabalho não é ou não deveria ser o objetivo da vida de um indivíduo”, e me identifico com “o ideal de um mundo em que todos possam se dedicar a atividades agradáveis, usando o tempo livre, ocioso, não só para se divertir, mas para ampliar seus conhecimentos e a capacidade de reflexão”.[2]

 

Apesar de pensar assim, o fato é que eu vinha nessa toada de trabalhar-trabalhar-trabalhar, sem tempo para o ócio, e sem ócio não Tem Música Pra Tudo.

 

Quem me salvou foi o velho amigo Marcos, que na semana passada me obrigou a matar a sexta-feira para um daqueles nossos almoços que duram até a hora do jantar (depois de quase dois anos!).

 

Como tudo tem um preço, no dia seguinte, sabadão, eu deveria trabalhar para recuperar o “tempo perdido”.

 

Resisti, bravamente. Acordei tarde, tomei café e fui dar uma caminhada no Parque. E não é que, depois de semanas de um frio lascado, bem naquele dia saiu um solzinho gostoso?

 

Uma delícia! Mesmo assim a culpa, essa velha companheira, martelava na minha cabeça. Eu já tinha matado a sexta, e o certo – dizia ela -, era voltar logo para casa, sentar na frente do computador e dar conta da montanha de serviço atrasado.

 

Dessa vez ela perdeu. Segui na minha caminhada e até dobrei o percurso, confiante no poeta que disse que a coisa mais certa de todas as coisas não vale um caminho sob o sol.[3]

 

 

 

 

Isso tudo já tem uma semana. Matei a sexta-feira, não compensei no sábado nem no domingo. O serviço continua atrasado, mas não perdi nenhum prazo, o mundo não acabou, e vejam só, o Tem Música Pra Tudo também não!

 

O mesmo Bertrand Russell, que de ocioso não tinha nada, listou em sua autobiografia um código de conduta cuja primeira regra é: “Não tenhas certeza absoluta de nada”.[4]

 

Então, não posso afirmar “com certeza” que a teoria da jornada de quatro horas é uma boa para a humanidade. Mas acho que sim.

 

Ou não?[5]

 

 

 

 

[1] O Elogio ao Ócio, de Bertrand Russell, 1935, in https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKEwjf9NCfxsPyAhXIpZUCHTFDC-YQFnoECAYQAQ&url=https%3A%2F%2Fwww.ic.unicamp.br%2F~campos%2FElogioOcio.pdf&usg=AOvVaw2t2s9LIPNyBaoGxtr1YJg3

[2] in https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Elogio_ao_%C3%93cio

[3] Caetano Veloso, Moreno Veloso, Zeca Veloso e Tom Veloso, “Força Estranha” (Caetano Veloso) in Ofertório Ao Vivo, 2018.

[4] in https://pt.wikipedia.org/wiki/Bertrand_Russell

[5] Hamilton de Holanda e Chico Buarque, “Vai Trabalhar Vagabundo” (Chico Buarque) in Samba de Chico, 2016.