A FLECHA PRETA

A FLECHA PRETA

04/07/2021 6 Por Marcelo Pantoja

Escrito em 03/07/2021.

 

 

Tenho um amigo muito chique que mora em Viena, e certa vez precisou ir sozinho até a Finlândia para assistir a uma competição de equitação.

 

Fez um “bate-volta”: foi de avião, alugou um carro e dirigiu até o evento, viu a filha ser campeã (falei que o cara é chique, não?), retornou ao aeroporto e no dia seguinte já estava trabalhando em Viena de novo.

 

Dias depois, chegando em casa, encontrou um envelope aberto sobre a mesa e a esposa de cara fechada.

 

O envelope trazia uma multa de trânsito, lá da Finlândia, por excesso de velocidade. A infração era inquestionável, o carro era mesmo aquele que ele alugou, a data era mesmo a da viagem, e o local era bem no trajeto do aeroporto. Não tinha como questionar, até porque o “radar” que o flagrou era daqueles que registram a infração com foto, e fotografia colorida ainda por cima, afinal estamos falando da Finlândia.

 

E aí é que está o problema: na foto quem conduzia o veículo era uma loiraça de olhos verdes, tipo Miss Finlândia.

 

Climão em casa, a mulher não lhe dirige a palavra, e ele não tem como explicar o inexplicável.

 

Desesperado, meu amigo juntou a papelada e recorreu da multa. Passado um mês, chega o resultado: “Absolvido”, com um pedido de desculpas. A infração tinha acontecido cerca de uma hora depois de ele já ter devolvido o carro no aeroporto!

 

Aliviado e cheio de razão, mostrou à mulher a decisão do Detran finlandês: “Viu? Eu não estava naquele carro!”

 

Resposta da esposa: “Sei…”

 

E continuou sem falar com ele por um tempão!

 

O poder que tem o ciúme: A autoridade de trânsito da Finlândia acreditou no meu amigo, mas a mulher dele não![1]

 

 

 

 

Dei uma floreada, mas a história acima é verdadeira, e eu chorei de rir quando me foi contada pela própria vítima. Mas só ri porque não foi comigo. De minha parte, não vejo graça nenhuma nesta coisa de ciúme. Há quem diga que um pouco de ciúme é “bom”, discordo totalmente.

 

Na minha profissão já vi famílias, e fortunas, destroçadas por causa de ciúme. Ciúme de marido e mulher, ciúme de irmão, ciúme de amigo, ciúme de sócio, ciúme de pai e mãe, ciúme de filho. Isto nunca traz nada de bom para os envolvidos.

 

Ciúme só é bom para a dramaturgia e para a literatura – Dom Casmurro que o diga. Mas reconheço, com sua “flecha preta” o ciúme dá músicas maravilhosas também:[2]

 

 

 

 

É um sentimento normal, dizem os psicólogos. Por isso todo mundo, como na letra do Caetano, em algum momento da vida sentiu que “sobre toda sala paira, monstruosa, a sombra do ciúme”.

 

Há ainda quem tenha “ciúme do passado” da outra pessoa. Para estes foi feita esta música, a minha preferida entre as mais de 200 gravadas pelos Beatles:[3]

 

 

 

 

Ciúme é uma inutilidade, pura perda de tempo e de energia. O pior é que quase sempre o ciumento está errado. Ou você acha que Capitu traiu mesmo o Bentinho?

 

 

[1] Ultraje a Rigor, “Ciúme” (Roger) in Acústico MTV, 2005.

[2] Elba Ramalho, “O Ciúme”(Caetano Veloso), in O Grande Encontro, 1998.

[3] The Beatles, “In My Life” (John Lennon, Paul McCartney) in Rubber Soul, 1965.