PALAVRAS

PALAVRAS

07/02/2020 7 Por Marcelo Pantoja

Escrito em 02/02/2020.

 

 

Tributo, na definição legal, “é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.[1]

 

A principal modalidade de tributo é o imposto, e este nome já diz tudo, é a coisa mais compulsória (ou menos voluntária) que existe.

 

Tributo é também sinônimo de homenagem, como confirmam o Aurélio[2] e uma infinidade de discos, programas de TV e shows realizados em “Tributo a Fulano de Tal”, sendo fulano de tal, em regra, alguém que já bateu as botas. Como diria minha sobrinha, tipo assim:[3]

 

 

 

 

Simonal foi em determinado momento da história o cantor mais famoso e querido do Brasil, e de uma hora para outra caiu em desgraça. Ele merece mesmo muitos tributos (homenagens), pois era um artista de primeira linha e pagou um tributo (imposto) altíssimo ao ser acusado, injustamente, de “dedo duro” da ditadura.

 

Como é que pode uma palavra ter significados tão antagônicos? Ninguém presta homenagem compulsoriamente. Ninguém paga imposto voluntariamente.

 

Para nós, brasileiros, estranho (substantivo) é uma pessoa que não conhecemos, mas a mesma palavra também é usada como adjetivo para designar alguém, digamos assim, esquisitão. Em inglês se usa stranger para o cara desconhecido (substantivo), e praticamente a mesma palavra, só que sem o érre no final – strange -, para o esquisitão (adjetivo).

 

E daí? Daí que o Jim Morrison e seus Doors fizeram esta música que começa com o sujeito reclamando que as pessoas parecem esquisitas (strange) quando você é um estranho (stranger), mas no decorrer  percebemos que a letra é muito mais sobre um esquisitão (strange) reclamando de como é tratado pelo mundo, do que sobre um estranho (stranger) reclamando das pessoas esquisitas (strange) . Entendeu?[4]

 

 

 

 

Palavras confundem não apenas pelos seus múltiplos significados e contextos. Elas podem enganar a gente também pelo som, ou melhor, pelo sotaque, que é a “pronúncia característica de uma região”.[5]

 

Também isto dá boa música:[6]

 

 

 

 

Pois é, Fred Astaire e Ginger Rogers, além de tudo, patinavam!

 

Tributo imposto x tributo homenagem; estranho desconhecido x estranho esquisitão; poteito/tomeito x potato/tomato. As palavras são mesmo uma coisa muito doida.

 

Outro exemplo? Mesmo com tempo ruim, todo mundo dá bom dia![7]

 

 

 

 

 

[1] Código Tributário Nacional, art. 3º.

[2] tributo. S.m. (…) 4. Homenagem, preito – Aurélio Buarque de Holanda Ferreira in “Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa”, 4ª. Edição, 2009, Ed. Positivo, p. 1990.

[3] Seu Jorge, “País Tropical” (Jorge Ben) / música incidental “Sou Flamengo” (Pedro Caetano/Carlos Renato) in Baile do Simonal, 2009.

[4] The Doors, “People Are Strange” (Jim Morrison / Ray Manzarek / Robby Krieger / John Densmore) in The Best of The Doors Disc 1, 1985.

[5] Aurélio Buarque de Holanda Ferreira in “Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa”, 4ª. Edição, 2009, Ed. Positivo, p. 1879.

[6] Fred Astaire, Let’s Call the Whole Thing Off (George Gershwin / Ira Gershwin) in Steppin Out: Astaire Sings, 1994. Cena do filme Vamos Dançar (Shall We Dance) dirigido por Mark Sandrich, de 1937.

[7] Omara Portuondo e Maria Bethania, “Poema LXIV” (Dulce Maria Loynaz) / “Palabras” (Marta Valdés) / “Palavras” (Gonzaguinha) in Maria Bethania & Omara Portuondo, 2008.