NEM VIRAM

NEM VIRAM

08/09/2019 5 Por Marcelo Pantoja

Escrito em 08/09/2019.

 

 

Van Gogh, dizem, em vida só conseguiu vender um dos seus quadros (ele pintou mais de 2.000). Os livros de Franz Kafka só foram publicados depois que ele morreu. Herman Melville, autor de Moby Dick (que lançou com o título “A Baleia” em 1851), foi ridicularizado e morreu sem saber que seu livro se tornaria um clássico da literatura norte-americana.

 

Existem inúmeros casos assim, de artistas brilhantes que não conheceram o sucesso e só foram reconhecidos depois de mortos. Mas estes, pelo menos, viram a sua própria obra.

 

Na música, por mais de uma vez, já aconteceu de o artista deixar de conhecer não apenas o sucesso de uma determinada canção sua, mas a canção propriamente dita!

 

Foi assim com Otis Redding, o Rei da Soul Music, que jamais ouviu sua música mais conhecida, a relaxante Sittin’ On The Dock Of The Bay, tocar nas rádios:[1]

 

 

 

 

A parte assobiada pelo próprio Redding no final da música é um trecho que ele pretendia terminar de compor, mas não deu tempo: em 10/12/1967, poucos dias depois da gravação desse rascunho, o avião em que viajava caiu num lago e Otis Redding morreu aos 26 anos de idade, no auge da carreira.

 

O guitarrista Steve Cropper, coautor da música, mixou aquela versão inacabada, acrescentou o som de gaivotas e ondas que a gente ouve no início e manteve o pedacinho assobiado no final. Assim se fez a versão definitiva, mundialmente famosa, que Otis Redding não chegou a conhecer e que se tornou o primeiro compacto póstumo da história a alcançar o primeiro lugar nas paradas americanas.

 

Dois anos depois uma outra gravação póstuma alcançou o primeiro lugar: A versão de Janis Joplin para a música de Kris Kristofferson e Fred Foster, que contém duas frases que sempre chamaram minha atenção.

 

A primeira pelo teor ultradramático (“Eu trocaria todos os meus amanhãs por um único ontem abraçando Bobby McGee”[2]), e a segunda porque dá o que pensar (“Liberdade é só uma palavra para dizer que você não tem nada a perder”[3]). Pois é, quem é realmente livre, se tem algo a perder?[4]

 

 

 

Apesar de seus inúmeros sucessos, Me And Bobby McGee, lançada em fevereiro de 1971, foi a única música de Janis Joplin a alcançar o primeiro lugar. Pena que a cantora já tinha morrido quatro meses antes, aos 27 anos de idade, por causa de uma overdose de heroína.

 

Também neste caso a artista não viu/ouviu o produto final, já que a gravação feita dias antes da overdose ainda seria mixada e complementada pela banda que acompanhava a Janis na época, chamada Big Brother And The Holding Company.

 

O terceiro caso que trago é só meio póstumo. O artista conheceu e desfrutou em vida do enorme sucesso de sua gravação, que é de 1951. O que ele jamais poderia imaginar é que, por milagre da tecnologia, 27 anos depois de morrer voltaria a cantar a mesma música, agora em dueto com a filha:[5]

 

 

 

 

A regravação, de 1991, ganhou três Grammy: Música do Ano, Disco do Ano e Melhor Performance Vocal.

 

Uma curiosidade: originalmente a música foi escrita por seu autor Irving Gordon como Uncomparable (Incomparável). Foi por pressão da editora musical que ele mudou a letra, e o título, para Unforgettable, ou seja, Inesquecível.

 

Inesquecível como o pequeno Sigui, meu “sobrinho” de quatro patas, eterno bambino, que ontem partiu para alegrar outros mundos.[6]

 

 

 

[1] Otis Redding, “Sittin’ On The Dock Of The Bay” (Redding/Cropper), in Atlantic Soul Classics, 1987.

[2] “But, I’d trade all of my tomorrows, for a single yesterday; To be holdin’ Bobby’s body next to mine”.

[3] “Freedom’s just another word for nothin’ left to lose”.

[4] Janis Joplin, “Me And Bobby Mcgee” (K.Kristofferson/F.Foster), in 18 Essential Songs, 1995.

[5] Nat King Cole e Natalie Cole, “Unforgettable” (Irving Gordon) in Unforgettable… With Love, 1991.

[6] Arthur Moreira Lima, “Bambino” (Ernesto Nazareth) in Coleção Folha Raízes da MPB, Vol. 20 , 2010.