BASEADO EM FATOS

BASEADO EM FATOS

06/07/2019 7 Por Marcelo Pantoja

Escrito em 05/07/2019.

 

Fato, segundo o bom e velho Aurélio, é “1. Coisa ou ação feita, acontecimento; 2. Aquilo que realmente existe, que é real”.[1]

 

Ou seja: aquela frase que vemos no início ou no final de vários filmes, “baseado em fatos reais”, é um belo de um pleonasmo, não é mesmo? Se é fato, é real!

 

É de se imaginar que toda música tenha origem em alguma experiência de seu compositor. Há músicas, porém, que são autênticos relatos de um fato real, narrativas detalhadas como uma reportagem ou um boletim de ocorrência, o popular “B.O.”.

 

Como quando o Deep Purple, em 1971, foi a Montreux, na Suíça, para gravar um novo disco. Para isso iriam utilizar um estúdio móvel, alugado dos Rolling Stones, que seria montado dentro do cassino da cidade. Eis que, na véspera da sessão de gravação, se apresentava naquele mesmo cassino o Frank Zappa com seu grupo (Mothers of Invention), até que um idiota da plateia acendeu um sinalizador e, com essa gracinha, incendiou o teto do teatro e todo o complexo do cassino!

 

Foi quase como na tragédia da Boate Kiss, com a diferença de que ali se obedeciam as normas de segurança e portanto não houve vítimas, apenas danos materiais.

 

O pessoal do Deep Purple, da janela do hotel, assistiu embasbacado o incêndio e a fumaça se espalhando sobre o Lago de Genebra. Com aquele equipamento caríssimo em mãos, ficaram sem ter onde gravar.

 

Depois de uma semana procurando um lugar apropriado (enquanto as diárias do estúdio móvel corriam soltas), a solução foi alugar um hotel na cidade que estava praticamente vazio e improvisar, nos corredores e escadas, um local para a gravação. E assim, nessas condições precárias, o Deep Purple gravou grande parte do seu álbum de maior sucesso, o Machine Head.

 

Isto seria apenas uma história pra contar, mas foi muito além e virou música, e que música! (provavelmente o riff de guitarra mais famoso do rock’n roll):[2]

 

 

 

 

No início de 1969 finalmente saiu o divórcio da Yoko Ono, e o John Lennon ficou com siricutico de casar imediatamente com ela. Viajandões como sempre, os dois acreditavam que qualquer capitão de navio poderia casá-los, e com essa ideia maluca tentaram pegar o primeiro navio que saísse do porto de South Hampton, a cerca de 100Km de Londres.

 

Claro que não deu certo, não conseguiram nem embarcar. Com essa ideia fixa pegaram um avião para Paris, mas descobriram que também ali não sairia casamento algum, pois a lei local exigia um tempo mínimo de residência no país. Pensaram em Amsterdã, mas lá, da mesma forma, havia impedimentos legais.

 

Depois dessas tentativas frustradas quem acabou resolvendo tudo foi o assistente dos Beatles, Peter Brown, que providenciou os documentos e avisou o Lennon que o casamento poderia ser realizado em Gibraltar, que embora próximo à Espanha é na verdade um território britânico. E foi ali que, enfim, John e Yoko casaram em 20/03/1969.

 

Voltaram a Paris e de lá foram de carro para a Holanda, onde se hospedaram no quarto 702 do Amsterdam-Hilton Hotel e fizeram o primeiro “Bed-in for Peace”, aquela maluquice de ficar uma semana inteira na cama recebendo a imprensa e protestando pela paz mundial.

 

Depois dessa semana na cama (será que tomavam banho?) rumaram para Viena onde fizeram outro protesto, agora dentro de um saco (Bagism, outra loucura da Yoko Ono), e em seguida voltaram a Londres onde os esperavam 50 sacos com mudas de árvores, que eles enviaram a 50 líderes mundiais, tudo em nome da paz.

 

Não encontrei nenhum vídeo com legenda em português, mas posso lhes garantir que esta longa história é contada com todos estes inúmeros detalhes em The Ballad of John and Yoko:[3]

 

 

 

 

Outra curiosidade sobre esta música é que o John chegou a Londres já com a música na cabeça e louco para gravá-la, mas o único Beatle disponível era o Paul McCartney (George e Ringo estavam viajando). Paul não só deu os retoques finais na letra e música como, junto com o John, tocou todos os instrumentos na gravação que depois ficou mundialmente famosa. O que de certa forma desmistifica a lenda de que o Paul McCartney odiava a Yoko.

 

Quem dera ter o talento de transformar uma história real, um fato da minha vida, em música.

 

Não tenho essa capacidade, mas nem precisei: o Premê fez isto por mim, na última vez em que fui abduzido:[4]

 

 

 

[1] Aurélio Buarque de Holanda Ferreira in Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 4ª. edição, Ed. Positivo, 2009, p.877.

[2] Deep Purple, “Smoke on the Water” (Ritchie Blackmore, Ian Gillan, Roger Glover, Jon Lord, Ian Paice) in Machine Head, 1972.

[3] The Beatles, “The Ballad of John and Yoko” (John Lennon, Paul McCartney) in Past Masters, disc 2, 1988.

[4] Premê, “Brigando na Lua” (Mário Manga) in Premeditando o Breque, 1981.