NOSSOS COMERCIAIS POR FAVOR

NOSSOS COMERCIAIS POR FAVOR

09/03/2019 11 Por Marcelo Pantoja

Escrito em 01/03/2019

 

 

Eu era beeeeem pequeno, juro, mas lembro perfeitamente do apresentador Flávio Cavalcanti, um cara mal humorado cujo programa na TV tinha um quadro em que ele botava um disco para tocar e, se não gostasse da música, quebrava o disco e jogava no lixo.

 

Acho que hoje em dia ele iria se esbaldar, pois material para o lixo é o que não falta.

 

Outra coisa daquele apresentador que ficou para sempre na minha memória é o bordão “Nossos Comerciais Por Favor” que ele soltava antes de cada intervalo.

 

Como sabemos, Tem Música Pra tudo, e tem muita música que ajudou a vender coisas mundo afora. Existem peças publicitárias que marcaram mais pela música do que pelo produto.

 

Quer um exemplo? Se você já passou dos 50, pode até não lembrar da marca, mas pela música deve lembrar deste comercial de 1979 que, ainda hoje, seria considerado um tanto quanto ousado[1]:

 

 

 

 

Na década de 90 faziam muito sucesso os longos comerciais dos chinelos Rider, sempre com músicas surpreendentes. Um dos mais marcantes, de 1993, era com o Tim Maia cantando a música do Lulu Santos[2]:

 

 

 

 

Anos depois a coisa se inverteu; em 1995 era o Lulu Santos cantando o sucesso do Tim Maia[3]:

 

 

 

 

Com a ajuda dessas músicas o chinelo (sandália?) Rider vendia mais do que aquela outra marca que não solta as tiras (mentira, solta sim).

 

Às vezes acontece o contrário: em vez de a música promover o produto, o comercial é que impulsiona a música.

 

Foi assim em 1987. A marca Chanel lançou este comercial com uma música gravada trinta anos antes pela bipolar, geniosa, irascível e acima de tudo maravilhosa Nina Simone:

 

 

 

A peça publicitária, convenhamos, é um tanto quanto tosca, mas por alguma razão inexplicável fez um sucesso enorme na Europa, e toda uma geração que nunca tinha ouvido falar em Nina Simone ficou doida pela música “My Baby Just Cares For Me”[4].

 

E ela, vendo o comercial bombar no Velho Mundo com aquela gravação que pertencia ao seu primeiro álbum, de 1958, ficou P da vida ao se dar conta de que naquele mesmo ano, por um punhado de dólares, havia vendido em definitivo todos os direitos daquele disco para a gravadora Charly Records.

 

E a tal Charly Records não perdeu tempo: aproveitando o embalo da Chanel relançou a gravação em um compacto que vendeu zilhões na Inglaterra e Europa afora. Nina Simone não recebeu um centavo.

 

Ela pode ter ficado com raiva, mas a verdade é que na época ninguém se lembrava mais de Nina Simone, e por causa do comercial a artista, caída no esquecimento havia vários anos, voltou a ser super requisitada e a fazer shows pelo mundo todo. Ela mesma admitiu que a propaganda da Chanel a ressuscitou para o showbiz.

 

Não parou por aí. O sucesso da música após o comercial da Chanel foi tamanho que naquele mesmo ano de 1987 o estúdio britânico Aardman Animations produziu esta maravilha de videoclipe para aquela mesma gravação da Nina Simone:

 

 

 

 

 

A biografia de 2016 diz que Nina Simone conseguiu na Justiça a maior indenização de que até então se teve notícia pelo reuso de uma obra artística[5].

 

Independentemente da tal indenização, fato é que, pelo menos neste caso, foi o produto (o legendário perfume Chanel nº.5) que vendeu a artista.

 

 

 

 

[1] Rita Lee, “Mania de Você” (Rita Lee/Roberto de Carvalho) in “Rita Lee”, 1979.

[2] “Como Uma Onda” (Lulu santos / Nelson Motta) foi lançada em 1983 por Lulu Santos no álbum “O Ritmo do Momento”; não consegui encontrar a gravação de Tim Maia em disco.

[3] Lulu Santos, “O Descobridor dos Sete Mares” (Michel / Gilson Mendonça) in “Eu e Memê, Memê e Eu”, 1995.

[4] Nina Simone, “My Baby Just Cares For Me” (Walter Donaldson / Gus Kahn)), in “To Be Free, The Nina Simone Story”, 2013.

[5] Alan Light, “What Happened Miss Simone? A Biograph”, Canogate Books, Digital Edition, 2016, p. 232.