TREM BÃO

TREM BÃO

26/06/2021 9 Por Marcelo Pantoja

Escrito em 26/06/2021.

 

 

Se você é mineiro, Trem pode ser qualquer coisa, mas qualquer coisa mesmo, como registra o Aurélio com, não sei se é impressão minha, uma pontinha de ironia, vejam:

 

“10.Bras. MG C.O. Pop. Qualquer objeto ou coisa; coisa, negócio, treco, troço.”[1]

 

Troço?

 

Mas o trem de que vamos falar hoje é aquele que a gente pega na estação, entra por uma porta e quando sai por essa mesma porta está em outro lugar, outra cidade, às vezes até outro país. Coisa de louco!

 

E como tem música de Trem, minha gente!

 

Aqui no Tem Música Pra Tudo já viajamos no Trenzinho do Caipira do Villa-Lobos[2], mas fora esta podemos citar, só pra começar, Trem Azul (Lô Borges / Ronaldo Bastos, de preferência com a Elis), Barulho de Trem (Milton), o Trem das Cores (Caetano), Stop That Train (Peter Tosh, com Bob Marley & The Wailers) etc etc etc.

 

Trem que se preza tem hora. O Trem das Sete, por exemplo:[3]

 

 

 

 

E às vezes o Trem tem nome também, como “The ‘A’ Train”, que dá título à música que se tornou a “assinatura” da orquestra de Duke Ellington. Aqui num registro raro em que ele apresenta o compositor deste clássico (seu braço direito Billy Strayhorn), e um solo empolgante do contrabaixista Ernie Shepard, uma figuraça:[4]

 

 

 

 

 

O meu trem, durante um bom tempo, foi o trem das cinco e quinze da tarde, na estação de Santo André, onde eu embarcava no penúltimo vagão para encontrar meu amigo Bóris, que vinha de Ribeirão Pires, para irmos juntos ao curso de Administração de Empresas na PUC-SP.

 

Era uma jornada e tanto, o trajeto de trem, depois uma boa caminhada da Estação da Luz até a Av. São João e o ônibus de lá até a faculdade, um percurso de umas duas horas. E tudo de novo na volta, quando eu chegava em casa já era o dia seguinte.

 

Acho que aprendi mais nessas viagens diárias que no curso propriamente dito. Aprendi, por exemplo, que um homem – o Bóris, no caso – é capaz de dormir em pé!

 

Era divertido, e muito cansativo também. E às vezes frustrante, quando percorríamos todo este calvário para chegar e não ter aula, ou porque os professores fizeram greve, ou porque os alunos dos outros cursos invadiram a sala para fazer manifestação. Isto acontecia com uma frequência inacreditável naqueles anos 1985 / 1986.

 

Depois de um ano e meio desta rotina diária acabei desistindo da Administração na PUC, e segui com o curso de Direito que frequentava de manhã. Me formei com muito orgulho pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Acho que era mesmo a minha vocação, mas posso dizer que, de certa forma, a PUC-SP com suas greves contribuiu bastante para minha opção.

 

Não posso encerrar sem falar do Trem mais famoso da música brasileira, o do Adoniran que, diga-se de passagem, nunca morou em Jaçanã. Morou, sim, em Santo André (de 1924 até o início da década de 1930), e certamente pegou muito trem naquela mesma estação onde eu encontrava o Bóris às 17:15h no penúltimo vagão.

 

Verdade. E há pelo menos dois registros atestando que na letra original de Trem das Onze ele mencionava Santo André, mas acabou mudando para Jaçanã só para rimar com “amanhã de manhã”.[5]

 

A minha Santo André saiu perdendo, infelizmente. Mas tenho que reconhecer, parece que Jaçanã ficou um pouquinho melhor, confira:[6]

 

 

 

O Bóris? Mesmo sem a minha companhia, concluiu com louvor o curso de Administração na PUC, seguiu na profissão e se deu muito bem, hoje vive de rendas. Eu continuo trabalhando.

 

 

[1] Aurélio Buarque de Holanda Ferreira in “Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa”, 4ª. Edição, 2009, Ed. Positivo, p. 1985.

[2] Relembre em https://temmusicapratudo.com.br/2019/04/13/sem-palavras/

[3] Zé Ramalho, “O Trem das Sete” (Raul Seixas) in O Grande Encontro, 1996.

[4] Duke Ellington Orchestra, “Take The A Train” (Billy Strayhorn) in Coleção Folha Clássicos do Jazz – Vol. 13, 2008.

[5] Confira em https://pt.wikipedia.org/wiki/Trem_das_Onze e em https://www.dgabc.com.br/Noticia/109881/santo-andre-e-seu-jacana

[6] Demônios da Garoa, “Trem das Onze” (Adoniran Barbosa), in Coleção Folha Raízes da MPB – Vol. 7, 2010.