SR. TEMPO
Escrito em 10/02/2020.
Preste atenção nesta música de 1983:[1]
Tim Maia era homofóbico?
Se você fuçar na Internet vai ver que tem uma turma que diz que sim, ele era homofóbico, machista, e ainda por cima batia em mulher. Já os fãs mais radicais dizem que quem pensa assim é ignorante e não percebeu que a letra era uma crítica à sociedade hipócrita que tolerava “tudo” (maracutaias, etc) mas não aceitava o homossexualismo, ou seja, valia tudo, menos isso. E outros, mais próximos do Tim, dizem que “Vale Tudo” era só uma grande brincadeira que ele inventou.
Vai saber. O fato é que, brincadeira ou não, hoje em dia ninguém se atreveria a lançar uma música dizendo que não vale dançar homem com o homem nem mulher com mulher.
Que dizer do famoso “Rock das Aranha” do Raul Seixas, que quarenta anos atrás se propunha a ensinar que o “certo” era “cobra com aranha”?[2] Hoje ele seria massacrado.
Acho que atualmente nem mesmo um grupo punk (isto ainda existe?) gravaria uma música enaltecendo o ato de furar o sinal vermelho, andar a 120 por hora em pleno trecho urbano, e até usar pneus carecas! Mas no início dos anos 60 isto aqui fazia o maior sucesso:[3]
Tem coisa muito pior. O ultracultuado Noel Rosa compôs uma música que dizia, entre outras coisas: “Mas que mulher indigesta/ Merece um tijolo na testa” !!![4]
Acredite, no mesmo disco em que lançou Super-Homem (uma ode à “porção mulher” de todo homem), Gilberto Gil gravou uma música com estes versos: “Minha nega na janela/ Diz que está tirando linha / Êta nega tu é feia / Que parece macaquinha / Olhei pra ela e disse / Vai já pra cozinha / Dei um murro nela / E joguei ela dentro da pia / Quem foi que disse / Que essa nega não cabia?”[5]
É mole?
Mais: Por décadas a negríssima Elza Soares cantou “Mulata Assanhada”, composta pelo também negro Ataulfo Alves, gritando aos quatro cantos “que bom seria se voltasse a escravidão”?[6]
Não acho que Tim Maia e Raul Seixas eram homofóbicos, que Gilberto Gil pregasse a violência doméstica, ou que Elza Soares e Ataulfo Alves fossem racistas. As músicas citadas simplesmente refletiam um tempo em que essas coisas – infelizmente – eram toleradas ou consideradas normais.
Parafraseando os Stones, ainda bem que o Tempo está do nosso lado.[7] Pode demorar, mas uma hora ele chega para corrigir as aberrações e tornar inaceitável o que, no passado, era “normal”.
Longe de mim o comportamento de uma turminha sem noção que quer, por exemplo, reescrever a obra de Monteiro Lobato (por causa de expressões tidas como racistas em referência à eterna Tia Nastácia).
As músicas, mesmo as preconceituosas, não podem nem devem ser apagadas da história, elas precisam ser entendidas no contexto de sua época.
O importante é que Tempo, este Senhor, faça a sua parte.[8]
Mesmo me sentindo, às vezes, deslocado no mundo de hoje, reconheço que o Tempo é um grande justiceiro que, no seu ritmo inalterável, vem colocar as coisas no seu devido lugar.
Com o Tempo, tudo melhora.
Ou não!
Hoje em dia, do bebê ao vovô, todo mundo conhece e reconhece a Anitta fucafucabundabunda e suas profundíssimas canções, e ninguém tem ideia de quem foi Anita O’Day, a maior Song Stylist que já existiu.[9]
[1] Tim Maia, “Vale Tudo” (Tim Maia) in Tim Maia Ao Vivo, 1992.
[2] “Soltei a cobra e ela foi direto / Foi pro meio das aranha pra mostrar como é que é certo / Cobra com aranha é que dá pé / Aranha com aranha sempre deu em jacaré” – “Rock das Aranha” de Raul Seixas, no álbum Abre-te Sésamo de 1980.
[3] Ronnie Cord, “Rua Augusta” (Hervé Cordovil) in Rua Augusta (compacto) de 1964.
[4] “Mulher Indigesta”, de Noel Rosa, no álbum Coisas Nossas de 1999.
[5] “Minha Nega Na Janela”, de Germano Mathias e Doca, no álbum Realce de Gilberto Gil, 1979.
[6] “Mulata Assanhada”, de Ataulfo Alves, no álbum (compilação) Meus Momentos de Elza Soares, 1994.
[7] “Time Is On My Side”, de Norman Meade, no álbum dos Rolling Stones (ao vivo) Still Life, de 1982.
[8] Djavan, “Oração ao Tempo” (Caetano Veloso) in Ária Ao Vivo, 2011.
[9] Anita O’Day, “Fly Me To The Moon” (Bart Howard) in Coleção Folha Lendas do Jazz Vol. 17, 2008.
Reverencio o tempo👏👏👏
Remédio para tudo, ou quse!
E essas musicas babado hein???!!!!
Q coiisa!
Não sem tempo e aproveitando o tempo que o tempo tem, acho que pensamos que temos tempo, mas o tempo é que nos tem. E mudamos nós, e não o tempo, pois embora tudo pareça que demora, para o tempo é sempre agora. E atribuímos a ele uma transformação que na verdade é nossa. E ele do alto de sua divindade assiste. Impassível, indecifrável, e de nós nunca desiste. Porque no tempo
que o tempo tem, voce nunca esteve ontem, nem amanhã, mas sempre no presente, que é o presente de ser agora.
Love! 🙏🏼
Amei Fly me To the moon
Acredito também que o Tempo é Muitas Vezes um dos Melhores Remédios para Nossas Vidas. E que os Valores da Sociedade estão cada vez Mais de Cabeça para Baixo. A Instituição Família está a Ponto de ser Extinta. Quase Tudo é Booling… As Crianças estão Digitando cada fez Melhor… Na outra Mão, se Escreve Menos, Se Lê Menos (Bons Livros), Praticando cada vez Menos Esportes, etc. Como sempre Músicas Maravilhosas !!!
Oi Marcelo, “tem musica pra tudo” está ficando cada vez mais interessante, pois agora partiu para a filosofia mesmo ,a musica é só o fundo de muitas verdades que você está nos presenteando. O tempo coloca realmente as coisas nos lugares corretos ,mas as musicas lindas com suas lindas poesias são eternas .