SEM PALAVRAS
Escrito em 24/03/2019.
Já falamos neste blog, mais de uma vez, sobre como uma música, em determinadas situações, é capaz de expressar muito mais, e melhor, algo que gostaríamos de dizer.
Este foi o tema do texto Fala a Música[1], mas ali demos como exemplos duas músicas (maravilhosas) com letras (maravilhosas) cantadas (por cantores maravilhosos). Nesses exemplos a mensagem, naturalmente, está na própria letra da canção.
Há músicas, porém, que falam, e muito, e profundamente, sem letra nenhuma. Tocam a nossa alma de forma inexplicável. Não trazem nenhuma mensagem explícita, não falam a nossa língua, não têm tradução, e no entanto expressam, ou provocam, algo que está no fundo do nosso coração.
Esta você certamente conhece, não sabe do quê ela fala, mas pode sentir[2]:
Apesar do título a música não fala necessariamente sobre a luz do luar, pelo menos não em sua origem.
É por mero acaso que ela se chama Moonlight Serenade: Glenn Miller já tinha gravado, para o “lado A” de seu próximo compacto, uma música chamada Sunrise Serenade[3], que pode ser traduzida como Serenata do Sol Nascente. E foi só para “combinar” com o “lado A” que a música do “lado B”, que você acabou de ouvir, foi chamada de Moonlight Serenade, Serenata da Luz do Luar.
Portanto, se você ouve esta música e pensa no luar, é só porque foi sugestionado(a) pelo título. Foi bem depois de a música instrumental ser lançada naquele compacto de 1939 que se criou uma letra para ela (de Mitchell Parish) falando de lua.
E foi assim, sem letra, que ela se tornou um sucesso sem precedentes, causando muita inveja no pessoal do Jazz daquela época, que costumava desprezar Glenn Miller por considerá-lo muito comercial!
Se tornou, também, uma música universal, como vimos há pouco com os japinhas tocando e você, que não entende nada de japonês, achando lindo.
Tornar-se universal, acho que esta é a principal característica das músicas sem letra que tocam o nosso coração. Só isto explica como um tango argentino[4] tocou fundo na alma dos russos que nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014 assistiram a apresentação da coreana Yuna Kim em Sóchi:
[perdoe o incômodo: em algumas localidades este vídeo só pode ser assistido no youtube, se for o seu caso por favor clique no vídeo e em seguida em “Assistir no Youtube” deleite-se e depois volte para cá, você não vai se arrepender!]
Astor Piazzolla compôs Adiós Nonino logo após o falecimento de seu pai, que na família era chamado de Nonino (vovozinho).
Um admirador afirmou que percebe na música para o pai morto todas as etapas descritas na psicologia: a negação, a ira, a profunda tristeza e depois a resignação com o adeus forçado. Pode até ser, mas provavelmente não era nada disto que passava pela cabeça da patinadora quando escolheu este tesouro argentino para a sua performance.
Para mim é este o grande prazer da música sem letra: independentemente do que o compositor quis dizer, para cada um que ouve ela pode ter um significado diferente e único. Ou significado nenhum, apenas uma sensação, um frio na barriga, uma emoção sem tradução.
Esta descrição só não serve para o Trenzinho do Caipira do nosso maestro Heitor Villa-Lobos. Neste caso, mesmo querendo, o ouvinte não consegue deixar de se ver embarcando no trem e fazendo uma viagem deliciosa até o seu destino – exatamente como o compositor quis que nos sentíssemos[5]:
P.S.: A exemplo de Moonlight Serenade, as outras músicas citadas neste texto depois de algum tempo também ganharam letras muito bonitas. Mas (para mim) nada se compara ao prazer de simplesmente senti-las, em vez de compreendê-las.
[1] Publicado em 02/11/2018: https://temmusicapratudo.com.br/2018/11/02/fala-a-musica/
[2] Glenn Miller Orchestra, “Moonlight Serenade” (Glenn Miller), in Coleção Folha Lendas do Jazz Vol. 07, 2017.
[3] Glenn Miller Orchestra, “Sunrise Serenade” (Frankie Carle / Jack Lawrence), in Coleção Folha Lendas do Jazz Vol. 07, 2017.
[4] Astor Piazzolla, “Adiós Nonino” (Astor Piazzolla), in Itinerary of a Genius, 2002.
[5] Família Lima (part. Xororó), “O Trenzinho do Caipira” (Heitor Villa-Lobos), in Família Lima 20 Anos, 2015.
Três escolhas profundas e uma tão profunda que jamais terá letra: Adios Nonino. A mensagem mais profunda e perto da Verdade é aquela que a linguagem não pode profanar. Os pássaros e as árvores “musicam” sem letra. Traduzindo a beleza, sem fazer juízo de conceito. Pura manifestação intacta.
Me fez lembrar de “Clube da Esquina número 2” de Milton e Lô, que nasceu sem letra e depois ganhou uma mensagem embriagante.
Parabéns pelo tema Marcelo.
🙏🏼
Trem Bão sô !!! Esse tal de “Tem Musica pra Tudo”. Com Letra, Sem Letra, Com Dança, Sem Dança. Toda Semana me faz Viajar no Tempo e Recordar Bons Momentos. Musica é Tudo de Bom !!!
A emoção tomou conta do meu coração.
Voltei a um tempo muito distante de saudade mas porém vivido com muita alegria !
A boa musica toca os nossos sentimentos.
Escolhas maravilhosas !
Parabéns prossiga!
A poesia de uma canção completa a poesia da música, mas as duas quando casadas podem se tornar verdadeiros tesouros de sensibilidade e emoção assim como podem se transformar em monstruosidades que por azar ouvimos por aí. Quando só existe a poesia musical a nossa imaginação fica mais livre, é algo visceral. A bailarina no gelo escreveu com o seu corpo uma letra emocionante, belíssima. Gostei muito parabéns
Filho, cada vez mais, você me emociona com sua escolhas musicais,nunca percebi quanta sensibilidade você tem com a música. Você é puro amor,e me orgulho em ser sua mãe, Mais uma vez você arrasou! Bjos.
Com ou sem letra, a Música sempre desperta sentimentos, emoções, e assim embarcamos, cada qual, na sua viagem…
Impossível não se sensibilizar com esses presentes maravilhosos que você nos proporciona a cada nova publicação. Isso é fruto da sua sensibilidade, onde a Música é uma das suas maiores motivações!
Totalmente contagioso!!!
Parabéns!!!!