PERVERSO

PERVERSO

29/09/2024 7 Por Marcelo Pantoja

Escrito em 28/09/2024.

 

 

PARALELAS, do Belchior, é um monumento, uma baita música.

 

Com Belchior nada é simples ou trivial, ele era um cara ultra inteligente, culto, sabia latim, italiano, estudou filosofia, canto gregoriano, largou o curso de medicina no quarto ano para virar artista. Um de seus últimos projetos era uma nova tradução da Divina Comédia de Dante Alighieri.

 

Um poeta com P maiúsculo: das marcas “paralelas dos pneus na água das ruas” para “teu infinito sou eu” Belchior vai da geometria euclidiana (onde duas retas paralelas jamais se encontram) para a geometria projetiva (que prova que elas se encontram sim, no infinito).

 

Mas o verso que, para mim, é sempre uma facada na boca do estômago, é aquele que reclama: “Como é perversa a juventude do meu coração!”.[1]

 

 

 

 

De uns anos para cá meu coração, meu cérebro, se desconectaram da minha idade e do resto do meu corpo. E isto às vezes é beeeeeem perverso.

 

Um dia desses, voltando do parque depois de uma longa corrida (para os meus parâmetros atuais), estava me sentindo “o F#dão”. Parei na padaria, e quando a balconista quis atender uma velha que estava próxima de mim, ela (a velha) disse: “Acho que este Senhor está na minha frente”.

 

Demorei alguns segundos para me ligar, mas não havia dúvida, o Senhor a que a velha se referia era mesmo eu! Euzinho que, quando entrei na padaria, devia estar com 20, no máximo 25 anos!

 

Esta desconexão é às vezes insuportável. Mas nem pense que vou me render.[2]

 

Velha FDP.

 

 

 

É isso aí pessoal, sigo envelhecendo, tentando não passar muita vergonha. E ouvindo Belchior porque o cara é demais, na dele ou em outras vozes.[3]

 

 

 

 

[1] Belchior, “Paralelas” (Belchior) in Minha História (Coletânea), 1994.

[2] Arnaldo Antunes e Nando Reis, “Não Vou Me Adaptar” (Arnaldo Antunes) in Ao Vivo no Estúdio, 2007.

[3] Elba Ramalho, “Paralelas” (Belchior) in Baioque, 1997.