IGUAL SÓ QUE PIOR
Escrito em 20/03/2021.
Gosto demais desta música:[1]
Há exatamente um ano, 20 de março de 2020, uma sexta-feira, fiquei sabendo que no dia seguinte os parques da cidade seriam fechados para o público (e assim permaneceriam até meados de julho).
Foi também em 20 de março de 2020 que o Congresso Nacional publicou o Decreto Legislativo nº. 6, reconhecendo “a ocorrência do estado de calamidade pública”.
Lembro bem daquele final de semana, mil providências a tomar, buscar as coisas no escritório, montar um esquema para conseguir trabalhar em casa, preparar o espírito para os dias difíceis que viriam, foi tudo muito louco.
Ninguém sabia o que iria acontecer, ouvimos e lemos mil bobagens nos dias e meses que se seguiram, mas lembro especificamente de um primeiro estudo vindo de uma instituição séria (Imperial College of London) que dizia, ainda em março, que se fizéssemos tudo certinho, ao final o Brasil perderia 44 mil vidas para a Covid-19.[2]
Outra coisa que se dizia muito na época, geralmente em postagens e filmes “fofinhos”, é que todos “sairíamos desta” melhor do que entramos, seríamos, todos, “seres humanos melhores”.
Bem, pelo menos comigo, isto não aconteceu.
Há um ano eu até que acreditava nessa tese, todos nos uniríamos, o brasileiro mostraria seu valor, o seu lado humano, um cuidando do outro, etc.
Hoje eu dou risada desse pensamento tão puro e ingênuo.
Passado um ano, os parques fecharam de novo. Escritório, idem.
Então concluímos que hoje, em 20 de março de 2021: a) – eu não me tornei um ser humano melhor; b) – nós não fizemos tudo certinho.
Está tudo igual um ano atrás, só que muito pior.
A única coisa positiva é que, como agora estamos alcançando a vergonhosa marca de 3 mil mortes diárias, tirando um ou outro fanático, não perdemos mais tanto tempo naquela discussão chata sobre “se precisa” mesmo fechar.
Outra coisa curiosa sobre o dia 20 de março é que, desde 2012, este é o “Dia Internacional da Felicidade”.
Mas vejam só o que aconteceu com ela:[3]
Aí você me pergunta, mas o que tem a ver aquela primeira música que você colocou neste texto?
Coloquei The Boxer por três razões principais:
Primeiro, como disse lá em cima, porque gosto demais da música, e de Simon & Garfunkel.
Segundo, pelo verso que diz que “o homem ouve aquilo que quer, e desconsidera o resto”[4] – o que, na minha opinião, explica bem por que “não fizemos tudo certinho”.
Terceiro, por causa dos versos finais (e para vocês não acharem que estou tão amargo assim): “em sua raiva e sua vergonha [ele diz] ‘estou partindo, mas o lutador permanece’”.[5]
Há ainda uma quarta razão: Simon e Garfunkel não existem como dupla desde 1970, eles só se encontram raramente para alguma ocasião especial (como o histórico show no Central Park em 1981 e neste vídeo que é do show de 25º. aniversário do Rock’n Roll Hall Of Fame”).
Se você tiver a curiosidade de rever o vídeo, notará que, durante toda a música, eles mal olham um para o outro!
Na verdade eles não se suportam. Mas ainda assim conseguem se juntar e fazer um belíssimo trabalho, não é mesmo?
[1] Simon & Garfunkel, “The Boxer” (Paul Simon) in The Concert in Central Park, 1982.
[2] in http://www.abennacional.org.br/site/2020/03/29/saiu-a-modelagem-estatistica-do-imperial-college-london-para-os-cenarios-do-covid-19-no-brasil/
[3] Pena Branca e Xavantinho, “Felicidade” (Lupicínio Rodrigues) in A Música Brasileira Deste Século Por Seus Autores e Intérpretes – Pena Branca e Xavantinho Sesc Sp – Vol. 3 Cd 11, 2001.
[4] “Still, a man hears what he wants to hear and disregards the rest“.
[5] “In his anger and his shame, ‘I am leaving, I am leaving’, but the fighter still remains’, he still remains“
Pegando o último vagão do trem, correndo e agarrando o corrimão da escadinha com a ponta dos dedos, salto e me apoio no primeiro degrau (ou último para quem o perde) que me salva do infortúnio de ficar na plataforma, e celebro com vc este post tão profundo onde vc colocou a sinceridade da constatação de que a humanidade não fez a lição de casa. Na verdade alguns a fizeram, mas não o fizemos como um todo do grupamento humano. Ninguém ficou melhor porque ninguém soube ficar em casa. E ninguém ficou em casa porque ninguém sabe onde “casa” fica. Pensam que seja uma construção com paredes e telhado onde se encontram “minha cama”, “minha tv” “minhas coisas”. Mas a casa é lá dentro. Um não-lugar, um ambiente. Só lá se encontra essa tal “felicidade” que “foi-se embora”. Mas ela sempre esteve lá. E ainda está. A gente é que foi-se embora. E como nunca lá estamos, nunca a encontramos.
Como o poema de Vicente de Carvalho
“Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim : mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.”
Gratidão pela oportunidade de reflexão que teu post sempre propõe.
Namaste 🙏🏼
Algumas Pessoas se Adaptam mais Facilmente as Condições do Ecossistema. Já outras tem Dificuldade ou Baixa Resiliência.
Eu já tenho Facilidade para me Adaptar. Sempre tenho o Plano A e o B. E se necessário o C.
Passei a Ouvir mais Músicas, Assistir mais Shows, Documentários e Filmes.
Investi em um Mini Cassino para Jogar diversos Jogos com minha Esposa e Filha.
É Muito Triste Saber que Milhares de Pessoas estão Partindo, algumas Conhecidas e Próximas.
Mas, Durante o Último Ano minha Maior Preocupação desde o Início foi com a Economia do Nosso País.
Pois é, acho que a sua observação sobre os dois (S&G) não se olharem durante a música somente mostra que quando há um objetivo maior, mesmo os desafetos se unem. Acho que é isso que precisamos nesse momento onde a felicidade não foi embora, como cantam Pena Branca e Xavantinho, mas sim está de recesso até tudo isso passar. E passará!
Grande beijo,
É isso mesmo JP: Como têm respeito por seu público, Simon & Garfunkel deixam suas diferenças de lado e fazem o que precisa ser feito…
Que passe logo este recesso. Bjs!
Realmente o que estamos passando é sem duvida muito triste,como seres humanos muito pouco evoluímos,
Mas temos que ter a esperança!
Tudo passa e isto também passará.
Vamos entender o que devamos fazer.