LENDO MÚSICA, CANTANDO LIVROS
Escrito 23/11/2019.
Como é que pode alguém “ler música”, aqueles pontinhos e traços sobre as linhas do pentagrama? O sujeito olha aquilo e sabe que um rabisquinho qualquer é a nota “dó”, ou pior ainda, um dó “sustenido”!
Coisa de louco, mais fácil aprender japonês em braile…[1]
Sem chance de eu reconhecer uma nota em uma partitura, isso não acontecerá jamais. Mas sei tocar discos, é um dos meus poucos talentos, modéstia à parte faço isto muito bem.
E muitos dos discos que toco remetem a livros que eu li, o que é sempre muito legal. De fato, tem um monte de música inspirada em livro.
Tom Jobim cantou a Gabriela do Jorge Amado[2]. Os canadenses do Rush têm a sua famosa Tom Sawyer, personagem mais conhecido de Mark Twain, uma espécie de Monteiro Lobato dos americanos.[3] Até o Iron Maiden (ainda com o vocalista original Paul Di’Anno) cantou os Assassinatos da Rua Morgue, um dos contos tenebrosos de Edgard Alan Poe.[4]
Nessa linha, Rick Wakeman fez um disco inteiro sobre a obra prima de George Orwell, o conhecido 1984, um dos livros mais incríveis já escritos. E entre as 10 maravilhosas músicas daquele disco, compôs (com letra de Tim Rice) o tema de Julia, a protagonista que, ao lado do personagem Winston, acreditava ingenuamente que estava enganando o Grande Irmão quando se encontravam para, às escondidas, cometerem o crime de amar um ao outro. Mal sabiam que o Big Brother via tudo o que acontecia naquele quarto através da teletela escondida atrás de um quadro na parede.
A música é linda, na surpreendente voz (para quem a conhece apenas como uma “Diva Disco”) de Chaka Khan.[5]
Por aqui, além da já mencionada Gabriela (cantada também por Dorival Caymmi)[6], há muitas outras obras literárias que viraram música. Só com o Caetano Veloso a gente pode citar Tieta (autoria dele mesmo para outra personagem do Jorge Amado)[7] e a Dama das Camélias (esta de João de Barro e Alcyr Pires Vermelho)[8], para o livro de Alexandre Dumas Filho – não confundir com o pai, que é o do Conde de Monte Cristo e de Os Três Mosqueteiros.
Dentre tantas músicas-livro tem também esta, que todos vocês já ouviram e cantaram:[9]
Sítio do Pica-Pau Amarelo não é nome de livro, e sim de uma série de 23 livros infantis escritos pelo Monteiro Lobato, cujo primeiro volume é Reinações de Narizinho, e o segundo é Caçadas de Pedrinho.
Caçadas de Pedrinho é o primeiro livro “de verdade” (isto é, sem figuras, só um monte de letras) que me lembro de ter lido. Ganhei de uma professora chamada Estela, na terceira série.
Se é verdade que a música vive bebendo nas águas da literatura, o caminho inverso também acontece. Bob Dylan escreveu tantas letras fantásticas que recebeu o prêmio Nobel de literatura de 2016.
Coisas lindas como esta, que compôs em 1973 para o filho Jesse, então com sete anos de idade – aqui na voz de Joan Baez, bem mais doce que a do autor:[10]
[1] Da música Se, de Djavan, em Djavan ao Vivo, Disco 1, 1999.
[2] Gabriela, de Tom Jobim, em Passarim, 1987.
[3] Tom Sawyer (Geddy Lee, Neil Peart, Alex Lifeson, Pye Dubois), em Moving Pictures, 1981.
[4] Murders In The Rue Morgue (Steve Harris), em Killers, 1981.
[5] Rick Wakeman, Julia (Rick Wakeman, Tim Rice), in 1984, 1981.
[6] Modinha Para Gabriela, de Dorival Caymmi, em Gabriela, Trilha Sonora Original, 1975.
[7] A Luz de Tieta, de Caetano Veloso, em Tieta, 1996.
[8] Dama das Camélias, de João de Barro e Alcyr Pires Vermelho, em Ommagio a Federico e Giulietta, 1997.
[9] Gilberto Gil, Sítio do Pica-Pau Amarelo (Gilberto Gil), single de 1977.
[10] Bob Dylan, Forever Young (Bob Dylan), in Bob Dylan at Budokan, 1978.
Adoro este tema que você tratou tão bem. Lembro que um dos tópicos que eu seguia no velho e bom Orkut era algo como “músicas que mencionam livros”. Fagner musicou poemas de Cecília Meireles, de Florbela Espanca, por exemplo. Você tem muito que escrever ainda sobre isto. Parabéns!
Olá Nilva, obrigado por seu comentário.
Com certeza há muito pra se explorar neste tema.
A propósito, o velho e bom Raimundo Fagner já desfilou pelo Tem Música Pra tudo em pelo menos duas oportunidades: em “Dia do Trabalho” ( https://temmusicapratudo.com.br/2019/05/01/dia-do-trabalho ) e em “Pegando Onda” ( https://temmusicapratudo.com.br/2019/11/10/pegando-onda )
Dê uma checada, acho que vai gostar.
Abraços,
Marcelo Pantoja
Na minha Modesta Opinião uma Coisa completa a outra. Eu diria um Par Perfeito.
Tentei Aprender Violão por três vezes e não consegui… Hahaha… Tem que ser Artista e ter Vocação.
A minha é de ser Engenheiro e como hobby Pilotar Kart. Adrenalina !!!
Como sempre Músicas Lindas. Não Conhecia Júlia e Gostei Muito.
Oi Marcelo, você realmente entende muito de música mesmo não sabendo ler nada de qualquer música. O importante é ler seja numa partitura ou num livro e gostei muito de lembrar desse precioso sítio e da música do Gil que assistia e cantava junto com a minha filha mais velha. Assim como você e muitos outros brasileiros também iniciei na literatura com a obra do Monteiro Lobato.