HALLELUJAH

Escrito em 20/04/2019.

 

Hoje cedo, parado em um semáforo, li um cartaz informando que às 12h naquela esquina iriam malhar o Judas! Eu achava que isto nem existia mais, mas o boneco até já estava amarrado no poste, aguardando a hora de ser malhado, coitado.

 

Fiquei com dó do Iscariotes. Tá certo, o cara sacaneou Jesus, levou uma grana e tudo mais, mas segundo consta depois ele se arrependeu e até se enforcou. E as religiões, pelo que me lembro, pregam o perdão para quem se arrepende, coisa e tal. No entanto, passados mais de dois mil anos, continuam malhando o sujeito. Quanto rancor!

 

O episódio desta manhã me fez lembrar que hoje é o Sábado de Aleluia, e amanhã é dia da Páscoa.

 

A Páscoa, todos sabem, celebra a ressurreição, a vitória da vida sobre a morte. Isto para os cristãos. Para os judeus a Páscoa celebra a libertação deles (judeus) do Egito, onde ficaram aprisionados por longo tempo.

 

Isto tudo foi sempre muito confuso para mim. Criança, aprendi que Jesus morreu durante a Páscoa. Mas como, se a Páscoa existe justamente para celebrar a ressurreição Dele? Como é que o feriado surgiu antes do seu motivo?

 

Levou muito tempo para alguém me explicar que a Páscoa já existia, era uma festa dos judeus que durava uma semana (mais que o carnaval!), e foi durante essa festa que a coisa pegou para o lado de Jesus, e aconteceu tudo aquilo que nós já sabemos.

 

As Páscoas, então, são duas. A dos judeus, que devem “guardar o sábado” (justo o sábado!), e a dos cristãos – que devem ir à missa no domingo. Ninguém pensou em escolher a segunda-feira como o dia perfeito para não trabalhar e ficar refletindo, o que seria bem mais aceitável, não é mesmo?

 

Já para os muçulmanos a Páscoa significa… nada, a festa deles é outra, o Ramadã, que dura um mês (!), e nesse período os habibs dão uma boa repassada no Alcorão e celebram Maomé, a fé, a caridade, a fraternidade e os valores da vida familiar. E embora não tenham Páscoa, eles respeitam muito Moisés e Jesus, que consideram grandes profetas.

 

Fato é que, quando não estão ocupados em matar uns aos outros (sempre em nome Dele), cristãos, judeus, muçulmanos e as religiões em geral pregam ideais e princípios muito legais. E, embora sob nomes diferentes,  aleluiam o mesmo Deus.

 

Não estranhem, está no Aurélio: “aleluiar: Cantar aleluia. Alegrar-se muito; jubilar-se, rejubilar-se” [1]

 

Assim:

 

 

 

 

Leonard Cohen, que além de canadense era também maravilhoso, tem origem judaica mas se transformou em monge budista e passou anos morando em um mosteiro. A música Halleluja[2] é de antes desse período, e ele disse que quando a compôs, inicialmente pensou mesmo em louvar o Senhor (que é o significado etimológico da palavra), mas a partir da segunda estrofe a letra seguiu outros caminhos, dando “Aleluias” para sensações e seres bem mais terrenos, por assim dizer.

 

Mas no final ele retorna para a ideia original quando diz que, mesmo tendo tudo dado errado, permanecerá de pé diante do Deus da Canção, e não dirá nada além de aleluia, aleluia, aleluia.

 

Com todo respeito, religião não é muito a minha praia, e para ser honesto o meu aleluia de hoje foi para o fato de, depois de mais de três meses de abstinência cuidando de um joelho meio estragado, ter conseguido (com a ajuda de profissionais fantásticos) dar um trotezinho no parque agora de manhã. Doze minutos de uma corridinha bem lenta foram suficientes para eu “cantar aleluia, alegrar-me muito, jubilar-me” e, não contente, “rejubilar-me”.

 

Posso não ser religioso, mas não sou imune ao espírito da Páscoa. Nesses dias dá mesmo uma vontade irresistível de, na companhia de James Taylor, dar um banho de Amor em todo mundo[3]:

 

 

 

 

Amor. Taí uma religião que dá pra seguir.

 

Libertação, renascimento, perdão, reinício. Tudo isto é muito importante, mas não vamos esquecer que a Páscoa também é dia de….[4]

 

 

 

 

Shalom! Salaam Aleikum! Namaste! Feliz Páscoa!

 

[1] In Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa,  Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, 4ª. Edição, p. 90, Ed. Positivo,  2009.

[2] Leonard Cohen, “Hallelujah” (Leonard Cohen) in The Essencial Leonard Cohen – Disc One, 2002.

[3] James Taylor, “Shower The People” (James Taylor) in One Man Band, 2007.

[4] Marisa Monte, “Chocolate” (Tim Maia), in Marisa Monte, 1988.